segunda-feira, outubro 01, 2007

Théâtre desOreilles- excerto

Tinha usado a linguagem como um animal, tinha renunciado à cabeça, renunciado a ser, pela língua, o mestre das coisas. Tinha proibido a si próprio nomear o que quer que fosse. Para ir às coisas, para descer, ver mais abaixo. Tinha aceite ver coisas sem ter palavras para as designar. Tinha renunciado a nomear. Até que todos os objectos em frente estivessem a igual distância, sem inteligência, sem apreensão, sem compreensão, sem acção possível. O mundo era-lhe incompreensível porque tinha renunciado a nomeá-lo, a segurá-lo na mão. Ofereceu a língua às coisas. Já não estabelecia diferença entre o mundo e o pensamento. Estava rodeado de objectos interiores e em parte alguma do mundo; ele próprio estava inteiramente fora. Já só o pensamento se produzia. Pensava que tinha tocado em algo proibido, que era o único a ter visto. Era tudo um bloco, tinha perdido, tinha perdido grande parte da memória, a faculdade de se orientar, em compensação gozava de um novo órgão, de um novo sentido, de um olho para ver de noite, de uma visão cega, aguda, crepuscular, de um olho preto. - Nem corpo, nem cabeça , nem visão, nem voz , mas a impressão de tocar apenas. Eclipse, ponto cego, buraco negro, crepusculamento, crepusculação, síncope, branco no espaço, na percepção, branco dos sentidos, perder a língua, nuclear, atirar os miolos, piorar, fazer a experiência, descer no sopro, na coluna de ar, descer no buraco da luz do tubo de vácuo, lesões experimentais, brancas, vazios de sentido, vertigens linguais, linguismo, criação perpétua, queda do sistema de reprodução, queda do sistema de acção, escrevo sem mim, como uma dança sem dança, escrevo renunciado, desfeito. Despojado da minha língua, despojado do meu pensamento. Sem pensamento, sem ideia , sem palavra, sem lembrança, sem opinião , sem ver e sem ouvir.

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